O contrato social é o documento que dá origem à empresa e define suas bases jurídicas e organizacionais. Mais do que um requisito formal, ele é o instrumento que estabelece a governança, a responsabilidade e a segurança entre os sócios e perante o mercado.
O que é o Contrato Social?
O contrato social é o instrumento jurídico que formaliza a constituição de uma empresa. Ele funciona como uma certidão de nascimento do negócio, determinando a estrutura da sociedade, a participação de cada sócio e as regras de funcionamento.
De acordo com o artigo 997 do Código Civil, o contrato social deve conter, no mínimo, a qualificação dos sócios, o objeto social, o capital, a forma de administração e a participação nos lucros e perdas.
Cumprir esses requisitos assegura transparência, organização interna e segurança jurídica.
Elementos Essenciais do Contrato Social
Um contrato social bem redigido deve contemplar cláusulas claras e equilibradas. Entre as principais:
- Identificação da empresa: nome empresarial, endereço da sede, tipo societário e prazo de duração.
- Objeto social: descrição precisa das atividades econômicas exercidas.
- Capital social e participação dos sócios: valor total, forma de integralização e percentual de cada sócio.
- Administração: definição dos administradores e limites de seus poderes de representação.
- Distribuição de lucros e prejuízos: critérios de apuração e reinvestimento.
- Resolução de conflitos e dissolução: regras para retirada, exclusão e sucessão de sócios.
Essas cláusulas devem refletir a realidade operacional e os objetivos do negócio, reduzindo riscos de litígio e garantindo previsibilidade na gestão.
Tipos de sociedades e suas particularidades
No Brasil, existem diferentes formas societárias, e a escolha adequada influencia diretamente a responsabilidade dos sócios e o regime de tributação. Entre as principais:
- Sociedade Limitada (LTDA): modelo mais comum, no qual a responsabilidade dos sócios é limitada ao capital social investido.
- Sociedade Limitada Unipessoal (SLU): permite a constituição de uma empresa com um único titular, mantendo a responsabilidade limitada ao capital investido. Esse modelo substituiu a antiga EIRELI, extinta pela Lei nº 14.195/2021, e oferece mais flexibilidade e menos burocracia, sem a exigência de capital social mínimo.
- Sociedade Anônima (S.A.): indicada para empresas de grande porte, possibilita a emissão de ações e facilita a captação de investimentos.
- Sociedade Simples: voltada para atividades de natureza intelectual ou cooperativa, como profissionais liberais.
Princípio da autonomia da vontade e seus limites
A redação do contrato social é guiada pelo princípio da autonomia da vontade, que permite às partes definir livremente suas regras de convivência societária.
Entretanto, essa liberdade não é absoluta. O contrato deve respeitar normas de ordem pública, a função social da empresa e a boa-fé objetiva.
O artigo 1.008 do Código Civil proíbe as chamadas cláusulas leoninas, que atribuem todos os lucros a um sócio ou o isentam de participar das perdas. Tais disposições são nulas por violarem o equilíbrio contratual e o princípio da igualdade entre os sócios.
Cláusulas estratégicas de governança
Além dos requisitos legais, há cláusulas estratégicas que fortalecem a governança e previnem disputas:
- Acordo de Sócios: instrumento autônomo que disciplina direitos de voto, preferência na compra de quotas, política de distribuição e venda de participações, com maior flexibilidade e confidencialidade.
- Regras de deliberação: fixação de quóruns qualificados para decisões relevantes, como endividamento, fusões, alienação de ativos e alterações societárias.
- Cláusulas de proteção (Tag Along e Drag Along): asseguram, respectivamente, o direito ou a obrigação de venda conjunta de quotas em caso de mudança de controle, protegendo minoritários e garantindo simetria de decisões.
- Apuração de haveres: definição prévia do critério de cálculo das quotas em caso de retirada ou falecimento de sócio é essencial para evitar litígios e distorções financeiras.
Exemplo prático: a disputa sobre a apuração de haveres
A importância de um contrato social bem estruturado se evidencia em casos de dissolução parcial da sociedade, quando um sócio se retira e surge a necessidade de apurar o valor de suas quotas (haveres).
É comum que o contrato preveja o cálculo com base no valor patrimonial contábil, geralmente inferior ao valor de mercado da empresa, pois não considera ativos intangíveis como marca, carteira de clientes e potencial de lucratividade.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que deve prevalecer o critério pactuado, salvo quando sua aplicação gerar enriquecimento ilícito ou violar a boa-fé objetiva.
No julgamento do REsp 1.877.331/SP (publicado em 01/06/2021), o STJ reconheceu a validade da cláusula contratual que estabelece o valor patrimonial contábil como base de apuração dos haveres, admitindo revisão judicial apenas em casos excepcionais.
“A cláusula do contrato social que define o critério de apuração de haveres deve ser respeitada, exceto quando conduzir a desequilíbrio manifesto e afronta à boa-fé objetiva.” STJ, REsp 1.877.331/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi.
Esse precedente ilustra o impacto prático de uma cláusula mal negociada: um sócio pode receber valor significativamente inferior ao efetivo valor de sua participação, demonstrando que a assessoria jurídica preventiva é uma decisão estratégica e não mero formalismo.
Exemplo prático: exclusão de sócio e quebra da affectio societatis
Outro ponto sensível diz respeito à exclusão de sócio. Muitos contratos genéricos não delimitam as hipóteses de justa causa, abrindo espaço para conflitos baseados apenas em “quebra de confiança”.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que a simples quebra da affectio societatis, a vontade de permanecer associado, não é suficiente para justificar a exclusão de um sócio.
É necessário que haja cláusula contratual específica e que o ato praticado seja grave o bastante para colocar em risco a continuidade da empresa.
“A exclusão de sócio de sociedade limitada exige demonstração de justa causa, um ato concreto e de inegável gravidade que prejudique a empresa. A mera quebra da affectio societatis, por si só, não basta.” STJ, REsp 1.129.223/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão.
Sem um contrato social que preveja tais hipóteses, as sociedades podem enfrentar longos litígios, mesmo quando a convivência entre os sócios se torna insustentável.
Mantenha seu contrato social como um instrumento de gestão e prevenção
O contrato social é mais do que um documento de constituição: é a espinha dorsal da governança empresarial.
Ele traduz, juridicamente, a relação de confiança entre os sócios e deve ser tratado como um instrumento de gestão estratégica, não apenas de registro formal.
Revisar e atualizar o contrato periodicamente garante adequação às mudanças legislativas, societárias e de mercado.
Empreendedores e advogados que adotam essa prática fortalecem a previsibilidade do negócio, protegem o patrimônio e asseguram a longevidade da empresa.

Nosso escritório atua na elaboração, revisão e atualização de contratos sociais, acordos de sócios e instrumentos societários em geral. Cada caso é analisado de forma individual, considerando a legislação aplicável, a realidade do negócio e os precedentes mais recentes sobre governança e responsabilidade empresarial.
Felipe Scheifer de Castilho



