Análise sobre os perigos do contrato de gaveta e os instrumentos jurídicos adequados para garantir a transferência segura da propriedade imobiliária.
A aquisição de um imóvel é uma operação complexa que demanda planejamento e atenção aos aspectos jurídicos. Entre as práticas informais de mercado, destaca-se o chamado contrato de gaveta, um acordo particular que, embora estabeleça obrigações entre as partes, não transfere a propriedade perante a lei, gerando significativa insegurança jurídica.
Este artigo analisa o funcionamento do contrato de gaveta, seus principais riscos e as alternativas legais que asseguram a proteção do patrimônio e a segurança da transação.
O que é um contrato de gaveta?
O contrato de gaveta é um instrumento particular, geralmente uma promessa ou compromisso de compra e venda, por meio do qual se transfere a posse de um imóvel sem que ocorra o registro da transferência da propriedade no Cartório de Registro de Imóveis.
Ele costuma ser utilizado em situações como:
- Negociação de imóveis com financiamento ativo, em que o comprador assume informalmente as parcelas;
- Existência de pendências documentais ou fiscais em nome do vendedor, que impedem a transação formal;
- Tentativa de reduzir custos com o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e emolumentos cartorários.
Juridicamente, a propriedade de um imóvel só é transferida com o registro do título translativo, conforme o art. 1.245 do Código Civil. Sem esse ato, o vendedor permanece titular do domínio, e o contrato de gaveta produz apenas efeitos obrigacionais entre as partes, sem eficácia perante terceiros.
Quais são os riscos para o comprador?
A aparente simplicidade do contrato de gaveta oculta riscos expressivos, que podem culminar na perda do imóvel e em prejuízos financeiros.
- Risco de perda do imóvel: Como o imóvel permanece registrado em nome do vendedor, ele integra seu patrimônio para todos os efeitos legais. O bem pode ser penhorado para pagamento de dívidas cíveis, fiscais ou trabalhistas. Embora o comprador de boa-fé possa se defender com embargos de terceiro, amparado na Súmula 84 do STJ, tal medida exige ação judicial, custos com advogados e não garante êxito absoluto.
- Conflitos em caso de falecimento ou venda duplicada: Se o vendedor falecer, o imóvel será incluído no inventário e destinado aos herdeiros, que não são obrigados a reconhecer a venda informal. O comprador, então, precisará ingressar com ação judicial para assegurar seu direito. Além disso, um vendedor de má-fé pode revender o mesmo imóvel a terceiros, e quem registrar primeiro a escritura será reconhecido como o legítimo proprietário.
- Impossibilidade de financiamento e dificuldade de revenda: Imóveis irregulares não são aceitos como garantia em financiamentos bancários, o que reduz sua liquidez e valor de mercado. A falta de titularidade formal afasta potenciais compradores e impede operações de crédito.
Alternativas legais mais seguras
A formalização da compra e venda é a única via para garantir a segurança jurídica e patrimonial. As alternativas adequadas variam conforme a situação do imóvel.
- Escritura pública e registro imobiliário: Para imóveis com valor superior a 30 salários mínimos, a escritura pública é requisito de validade, nos termos do art. 108 do Código Civil. Após lavrada em Tabelionato de Notas, deve ser registrada na matrícula do imóvel, ato que efetivamente transfere a propriedade.
- Cessão de direitos com anuência do credor: Nos casos de imóveis financiados, a alternativa segura é formalizar uma cessão de direitos e obrigações com anuência expressa da instituição financeira. O banco analisa o crédito do novo comprador e, sendo aprovado, transfere oficialmente o financiamento, regularizando a titularidade do devedor e garantindo a segurança da transação.
- Adjudicação compulsória e usucapião: Se o comprador já tiver quitado o preço e o vendedor se recusar a outorgar a escritura, é possível ingressar com ação de adjudicação compulsória, com base nos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil, para que o juiz determine a transferência da propriedade. Em casos de posse prolongada e qualificada, a usucapião pode ser outro caminho, embora ambos os procedimentos sejam judiciais e representem custos e prazos que poderiam ser evitados com a formalização adequada..
Evite riscos desnecessários
O contrato de gaveta representa uma falsa economia que expõe o comprador a grave insegurança jurídica e patrimonial.
A aquisição imobiliária no Brasil é um ato formal que depende de instrumentos públicos e registro cartorário, conforme a Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).

Contar com a orientação de um advogado especializado em direito imobiliário é fundamental para analisar a documentação, estruturar o negócio com segurança e garantir que todos os requisitos legais sejam observados, protegendo o investimento e assegurando o pleno exercício do direito de propriedade.
Felipe Scheifer de Castilho



