Bem de Família: Proteção Vai Além do Proprietário

A Lei nº 8.009/1990 garante que o imóvel utilizado como moradia da família seja protegido contra penhora, assegurando o direito à habitação mesmo diante de dívidas do proprietário.

A proteção ao bem de família é uma das mais importantes garantias do direito brasileiro, diretamente ligada ao direito constitucional à moradia (art. 6º da Constituição Federal) e ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).

Nesse contexto, mais do que resguardar o patrimônio individual do devedor, a norma protege a entidade familiar, assegurando que a execução de dívidas não comprometa o mínimo existencial nem resulte em desabrigo.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que o devedor não precisa residir no imóvel para que este seja reconhecido como bem de família, desde que seja o único bem da família e mantenha a finalidade de moradia permanente.

Entendimento Jurisprudencial

No Recurso Especial REsp nº 2.142.338, o STJ analisou o caso de uma devedora que havia doado o imóvel aos pais, os quais já possuíam usufruto vitalício e residiam no local há anos. O credor alegou fraude à execução, mas o Tribunal manteve a impenhorabilidade, pois a destinação do imóvel como moradia da família permaneceu inalterada.

Esse entendimento foi reafirmado em decisão paradigmática da Segunda Seção do STJ, nos Embargos de Divergência EAREsp 2.141.032/GO, que pacificou o tema e fixou dois critérios essenciais para afastar a fraude à execução em casos de alienação de bem de família: a) O imóvel já era bem de família antes da alienação; e b) Após a alienação, o imóvel continuou servindo de moradia à entidade familiar.

Quando ambas as condições estão presentes, a proteção da impenhorabilidade permanece, pois a transferência não desvirtua a função social da propriedade.

Fraude à Execução e a Doação do Bem de Família

Por outro lado, quando se discute a fraude à execução, trata-se de situações em que o devedor busca frustrar a cobrança judicial. Entretanto, conforme entendimento consolidado do STJ, a doação de bem de família não configura fraude, pois o credor não sofre prejuízo, o bem já era impenhorável antes da alienação.

O raciocínio é reforçado pelo REsp 1.227.366/RS, segundo o qual a proteção decorre da destinação do bem, e não da titularidade formal. Assim, enquanto o imóvel for utilizado como residência da entidade familiar, permanece protegido.

Além disso, de forma semelhante, o AgInt no AREsp 629.647/RJ confirmou a validade de doação de imóvel ao filho com reserva de usufruto para a mãe, mantendo a impenhorabilidade, já que a moradia e o caráter familiar do bem foram preservados.

Esse entendimento expressa a natureza social e protetiva da Lei nº 8.009/1990, que tem por objetivo evitar que o exercício do direito de crédito ultrapasse os limites da função social da execução.

Requisitos para a Proteção do Bem de Família

Em complemento, para que o imóvel seja considerado bem de família, a Lei nº 8.009/1990 exige alguns requisitos objetivos:

  • Finalidade residencial: o imóvel deve ser destinado à moradia da família, independentemente de quem figure como proprietário.
  • Imóvel único: a proteção incide, em regra, sobre o único imóvel residencial da entidade familiar.
  • Continuidade da moradia: o uso habitual como residência deve ser comprovado.
  • Função social da propriedade: o bem deve cumprir sua destinação social de garantir moradia e estabilidade familiar.

Além disso, o conceito de “entidade familiar” é interpretado de forma ampla pela jurisprudência, abrangendo pais, filhos, cônjuges, companheiros e até familiares dependentes, desde que a destinação residencial se mantenha.

Exceções à Impenhorabilidade

Apesar da proteção ampla, a impenhorabilidade é regra, mas a Lei nº 8.009/1990 prevê exceções taxativas em seu artigo 3º. O imóvel pode ser penhorado nos seguintes casos:

  • Dívidas de financiamento do próprio imóvel;
  • Impostos, taxas e contribuições de condomínio;
  • Dívidas de fiança locatícia assumida pelo proprietário;
  • Dívidas trabalhistas vinculadas ao bem.

Fora dessas hipóteses, qualquer tentativa de penhora deve ser afastada judicialmente.

Como Garantir a Proteção do Seu Imóvel

Diante desse panorama, o entendimento firmado pelo STJ no REsp 2.142.338 reforça que a proteção ao bem de família transcende a figura do proprietário, alcançando toda a entidade familiar e assegurando o direito constitucional à moradia.

Para garantir essa proteção, recomenda-se:

  • Formalize a situação do imóvel: doações, usufrutos e averbações devem ser realizados por escritura pública e devidamente registrados.
  • Preserve a destinação residencial: mantenha documentação que comprove o uso do imóvel como moradia (contas, correspondência, cadastro em órgãos públicos etc.).
  • Comprove o uso da renda em caso de locação: se o único imóvel estiver alugado, demonstre que o valor é revertido para a subsistência da família ou para o pagamento de outro aluguel.
  • Evite transferências informais: alienações não registradas ou simuladas podem gerar dúvidas sobre a boa-fé.
  • Consulte advogado especializado: o assessoramento jurídico é fundamental para prevenir riscos em execuções e garantir a efetividade da proteção legal.

Em síntese, o bem de família é protegido mesmo quando o proprietário não reside no imóvel, desde que este continue cumprindo sua função social de moradia e seja o único bem da entidade familiar.

Função Social e Dignidade da Pessoa Humana

Em última análise, a jurisprudência do STJ reafirma que a proteção conferida pela Lei nº 8.009/1990 não se restringe ao devedor, mas se estende à entidade familiar como núcleo de proteção social. Essa leitura está em consonância com os princípios da função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF) e da dignidade da pessoa humana, que orientam todo o sistema jurídico.

Por fim, o bem de família não é apenas um direito patrimonial, mas um instrumento de justiça social, que busca equilibrar o exercício do crédito com a proteção da moradia, valor que, para o ordenamento jurídico brasileiro, tem prevalência constitucional.

Nosso escritório atua em demandas relacionadas à proteção patrimonial, direito imobiliário e sucessório, com foco em medidas preventivas e estratégias para garantir a impenhorabilidade e a segurança jurídica da moradia familiar.

Felipe Scheifer de Castilho

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